Opera Barroca

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quinta-feira, 14 de maio de 2009

Cesário Verde. «O Sentimento de um Ocidental»; deambulações

O Sentimento dum Ocidental
Constituído por quatro partes:
I - AVÉ-MARIA
II - NOITE FECHADA
III - AO GÁS
IV - HORAS MORTAS

Tema / assunto: o poeta deambula pela cidade de Lisboa, passando pelo cais do Tejo e pelas ruas limítrofes. À medida que vai passeando, anoitece, conforme está patente nos sub-títulos das quatro partes.
O poeta descreve o espaço, a gente que passa ou que trabalha, ambientes, enunciando as suas sensações, as impressões que vai recolhendo; o cheiro a gás, o ar acinzentado das casas envoltas na neblina.
Ao longo do poema, o sujeito revela estar mais voltado para a sua própria interioridade, revelando as suas impressões íntimas.

"AVÉ-MARIA"

O eu poético enuncia espaços citadinos ao mesmo tempo que põe em evidência a «Há tal soturnidade, há tal melancolia». por outro lado ele contrapõe o tema da fuga, da evasão, em que deseja fugir da cidade e partir para o mundo (3ª estr., 6ª estr.).
Referências espaciais: «Nas nossas ruas», «o Tejo» (est. 1); «o céu», «os edifícios» (est.2); «ao fundo» (est. 3); «as edificações [...] emadeiradas» (est. 4); «por boqueirões, por becos»; «pelos cais» (est. 5); «De um couraçado inglês», «em terra [...] alguns hotéis da moda»; «Num trem de praça»; «nas varandas»; «Às portas» (est. 8); «os arsenais, as oficinas»; «o rio» (est. 9).

Figurantes humanos: «os que se vão» (est. 3); «os mestres carpinteiros» (est. 4); «os calafates» (est.5); «dois dentistas»; «um trôpego arlequim»; «os querubins do lar»; «os lojistas» (est.8); «as obreiras»; «as varinas»;  «os filhos» (est. 9 e 10).

Referências a sentimentos e a sensações do sujeito poético: «Há tal soturnidade, tal melancolia» «Despertam-me um desejo absurdo de sofrer» (est.1); «O gás extravasado enjoa-me, perturba» (est. 2); «E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!» (est.7). 
Relação entre o espaço exterior e os sentimentos do sujeito poético; causa-consequência: (est. 1) «Nas nossas ruas ao anoitecer / Há tal soturnidade, tal melancolia» (percepção subjectiva da realidade como causa); «Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia» (visão impressionista - sensações visuais, auditivas e olfactivas; «Despertam-me um desejo absurdo de sofrer» (consequência - um estado psicológico que condiciona a forma como encara a realidade objectiva); na 2ª estrofe: «O céu parece baixo e de neblina (visão subjectiva) / O gás extravasado enjoa-me, perturba» (sensação física provocada pelo gás, provoca um estado de perturbação psicológica).

A sugestão de enclausuramento, em oposição a ideia de evasão.
A sensação de enclausuramento sugerida pelo ambiente sombrio; «Há tal soturnidade», «as sombras», «os edifícios» [...] de cor monótona e londrina». A neblina; «O céu parece baixo e de neblina!». Ar viciado; «o gás extravasado».  Prisão; «a gaiolas» (est. 4); os carpinteiros «Como morcegos» (est. 4), ruas estreitas e sem saída «por boqueirões, por becos» (est. 5). Os cais, pontos de chegada; «se atracam botes» (est. 5). A multidão apinhada; «Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; / E apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de infecção!» (est. 11). Por oposição a este universo fechado e doentio, temos a ideia de evasão; estr. 3. Os que partem; «que se vão», «Felizes!», o devaneio da viagem; «Ocorrem-me em revista exposições, países: / Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!».

Ponto de vista estilístico
Estrofe 9:  descrição dinâmica e impressionista; sugestão de movimento dada pelos verbos - «Vazam-se os arsenais e as oficinas», «apressam-se as obreiras», «Correndo com firmeza, assomam as varinas»; percepção sensorial «Reluz, viscoso, o rio» (sinestesia), «E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras»
Recurso à metáfora a partir da associação entre as personagens e «instrumentos» de trabalho: «cardume negro»
Predominância de orações coordenadas assindéticas.

Poemas de Cesário Verde; propostas de olhares

“Num Bairro Moderno”

No poema Num Bairro Moderno, encontramos o exemplo de uma das temáticas predominantes da poesia de Cesário Verde, a reportagem do quotidiano. 
Quanto ao asunto do poema, diremos que o poeta, deambulando,  percorre o bairro, enquanto se dirige para o emprego. 
Olhando sobre as ideias principais do texto, escontramos o eu poético a reportar o quotidiano da cidade: «Eu descia, / Sem muita pressa, para o meu emprego» (est. III, vv. 2-3). Este poema apresenta características da narrativa, destacando-se a subjectividade do narrador, bem como a onstrução de personagens que têm um papel preponderante no desenvolvimento do poema.
Logo no início do poema, a modernidade insinua-se com a marcação do tempo; «Dez horas da manhã». De seguida, é o seu olhar de repórter que vai "focando" vários instantes e impressões da vida citadina: a "casa apalaçada", os "jardins" que se estendem ao longo da "larga rua macadamizada" (est. I), os "rez-de-chaussée" cujas persianas se abrem, deixando ver pormenores do interior das casas - "quartos estucados", "papéis pintados", "Reluzem, num almoço, as porcelanas" (est. II). Tudo faz transparecer o bem-estar, o conforto que se vive neste bairro moderno e burguês; «Como é saudável ter o seu conchego / E a sua vida fácil!» Esta ideia exclamativa de conforto é sugerida não só pelas referências objectivas como pelas metáforas e sinestesias: «com brancuras quentes», «Rez-de-chaussée repousam sossegados» (hipálage, pois transfere para as casas o ambiente de tranquilidade do seu interior) acentuado pelo pleonasmo do verbo «repousar» e do adjectivo «sossegado», «Reluzem, num almoço, as porcelanas» (note-se o verbo impressivo). O brilho que emana das loiças é um elemento que confere um visualismo impressionista a esta descrição através da sinestesia visual. O motivo sinestésico do olhar domina a composição: «Matizam», «fere a vista», «Reluzem», «Notei», «examinei-a», são elementos lexicais que nos remetem para a percepção visual, inscrita no poema.

Nas estrofes IV e V o poeta refere-se à vendedeira como se o seu olhar se fixasse sobre uma imagem da qual o poeta destaca aquilo que visualmente o impressiona - «uma rapariga / Que no xadrez marmóreo duma escada, / como um retalho de horta aglomerada, / Pousara, ajoelhando, a sua giga». Mais uma vez acentua o visualismo pelos forte contraste sugerido entre o branco e o negro dispostos em xadrez e o colorido das frutas e legumes. Ainda na quinta estrofe é acrescentada outra sinestesia, o som, que vem completar o quadro: «ressoam-lhe os tamancos»

Na oitava estrofe a associação de sensações, sinestesias, é o processo através do qual o poeta transmite a sua visão impressionista da realidade: «Bóiam aromas, fumos de cozinha» -olfacto; «Com a cabaz às costas, e vergando, / Sobem padeiros, claros de farinha» - visão; «E às portas, uma ou outra campaínha / Toca, frenética, - hipálage - de vez em quando» -audição.

Os «padeiros», a «regateira» são tipos sociais, qual personagens narrativas, característicos do espaço urbano descrito. Note-se a gente do povo, contrastando com a imagem elegante e requintada do bairro burguês. A vendedeira, frágil, é obrigada a um trabalho pesado, fazendo recair sobre ela a atenção do poeta: «pequenina» (est. IV); «esguedelhada, feia»; «bracinhos brancos» (est. V); «magra»; «enfezadita» (est. XIX); «rota» (est. IV), «os tamancos»; «abre-se-lhe o algodão azul da meia» (est. V); «na sua chita» (est. XIX). Esta personagem é-nos apresentada, realçando a sua debilidade e fragilidade, com recurso aos diminutivos, o que acentua o peso da opressão de que é vítima. Esta mesma ideia é sugerida nas expressões que relatam os movimentos e gestos da rapariga através da expressividade dos verbos: «ajoelhando» (est. IV); «se curva»; «pendurando» (est. V); «Nós levantámos todo aquele peso / Que ao chão de pedra resistia preso / Com um enorme esforço muscular» (est. XIV); «Carregam sobre a pobre caminhante» (est. XX). Recaindo sobre ela a simpatia do sujeito poético.

A subjectividade do poeta está também presente quando se refere ao criado, outro tipo social, que «do patamar», em atitude altiva, «muito descansado» «Atira um cobre ignóbil», hipálage, integrando deste modo no poema a crítica à desigualdade e injustiça social. O que leva o sujeito poético a comungar com ela do mesmo esforço, numa solidariedade com a sua condição.
O sujeito poético, quanto aos espaços, não se limita a descrever lugares e a colocar-lhes personagens. A descrição é impressionista e aos carácteres descritos estão associados o seu estado psicológico. A título de exemplo, tomemos a terceira estrofe. O sujeito poético, para além de comentar o que vê, capta a impressão do momento; «quase sempre chega / Com as tonturas de uma apoplexia», mostra-se «contagiado» pela força interior da rapariga: «Duma desgraça alegre que me incita» (est. XIX). No entanto, esse impressionismo ganha mais preponderância, como que introduzindo uma outra parte do texto, mais subjectiva, a partir da estrofe sete: «Subitamente - que visão de artista! - / Se eu transformasse os simples vegetais, / A luz do sol, o intenso colorista, / Num ser humano que se mova e exista / Cheio de belas proporções carnais?!» (est. VII). Recorrendo à imaginação, o sujeito transfigura poeticamente a realidade exterior, estabelecendo associações entre "os simples vegetais" e partes de um corpo humano. Os verbos utilizados na estrofe nove apontam precisamente para essa reconstrução do real elaborada mediante a fantasia: «recompunha»; «Achava»; «Descobria». Simultaneamente, o tempo verbal muda do pretérito imperfeito, tempo de descrição, o showing, para o presente o indicativo, o contar, o telling; «São» (est. X). Deste modo, assistimos de imediato ao acto de imaginar, reelaborando a realidade, num prenúncio de surrealismo.
Esta nova visão do real, resultado da criação imaginativa do poeta, exprime-se de contornos plásticos numa explosão de formas, cores numa associação aos frutos e vegetais.
Para concluir, saliente-se a tomada de posição do sujeito poético sobre a condição humana e as desigualdades sociais que a sociedade, da qual ele é testemunha, encerra em si numa premonição da modernidade.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Cesário Verde; tendências características em...


O Parnasianismo, como corrente literária, desenvolveu-se a partir de França por volta de 1850.
As principais características:- a reacção contra o romantismo;
- a defesa da objectividade temática;
- a obsessão pela perfeição formal;
- o retorno ao racionalismo e às formas poéticas clássicas; a busca da impessoalidade e da impassibilidade; a arte pela arte.

· Cesário Verde interessa-se pelo real, descrevendo com objectividade a realidade. Pintar os objectos para despertar nos outros ideias e sensações.
· É o poeta-pintor que capta as impressões da realidade. Numa aproximação ao realismo e ao naturalismo. Centra a sua atenção aos pormenores mínimos, servindo para transmitir percepções sensoriais.
· Repórter do quotidiano, é um "pintor" de ambientes; deambulando, propõe uma interpretação da 
cidade de Lisboa
, descreve-a, absorvendo-lhe a melancolia e a monotonia, ao mesmo tempo que projecta nela imagens da mulher formosa, fria e altiva.campo, elogia a vida rústica, plena de canseiras, mas que tem vitalidade e saúde.
· É um poeta do quotidiano, tenta visionar situações vividas no dia-a-dia do meio que o rodeia.
· Como impressionista, procura surpreender o momento em que os objectos «ganham a sua inteira individualidade».
· Cesário consegue traduzir uma realidade multifacetada, através de uma grande plasticidade estética.
· O 
contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário. Nessa perspectiva revela o seu amor pelo rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos pseudo-valores urbanos e industriais. Esta oposição e binómio cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida
. É a morte que cria em Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular, mas que acaba por aprisioná-lo. A cidade é conotada com a doença e com a morte, por oposição, o campo surge como um espaço de energia e de força vital, como fonte de vida e de refúgio.
· O 
tempo
 é um perpétuo fluir e a esperança só é possível para as novas gerações.
· A 
cidade surge associada à mulher fatal e à morte, enquanto o campo se une à imagem da mulher angélica e da vida
. Há uma sexualização da cidade e do campo que incorpora as alegorias da morte e da vida.
· Cesário procura pintar «quadros por letras, por sinais», criando uma pintura literária e rítmica de temas comuns e realidades comezinhas.
· Sensível ao estimulo visual, Cesário procura reter diversas impressões visuais e outras para sobrepor imagens que acabem por traduzir e reiterar a visão do que o rodeia e traduzir a sua inspiração pessoal.
· A obra de Cesário Verde caracteriza-se, também, pela  
técnica impressionista, ao acumular pormenores das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias
, que lhe permitem transmitir sugestões e impressões da realidade.
· 
Em Cesário Verde, o campo, ou melhor, a terra, apresenta-se salutar e fértil. Dentro desta concepção de uma terra que se revitaliza, ou seja, no contacto com o campo, o sujeito poético parece reanimar-se, sentindo forças, energias, saúde.
· Do 

terça-feira, 12 de maio de 2009

Leituras sobre Cesário Verde

Sigam esta ligação para mais informações sobre Cesário Verde

http://www.prof2000.pt/users/jsafonso/Port/verde.htm

Eduardo Lourenço

 «O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um mundo sentido, palpado e ao mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de um lugar outro, de uma humanidade outra que inconscientemente o conforta na sua admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.»

Jacinto do Prado Coelho

«Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O Sentimento dum Ocidental», pessoal em «Nós»)

Óscar Lopes

«É, porém, em «O Sentimento dum Ocidental» (...) que o poeta ultrapassa com maior fôlego estrutural o seu naturalismo positivista, no mesmo momento em que parecia, aliás, consumá-lo em poesia. (...) Cesário não se desprende da imanência aos dados da percepção sensível, mas articula-o com um modo inteiramente novo, precursor do Cubismo ou Interseccionismo.»  

«Para Cesário, como depois para Pessoa, o eu, o tu, o nós, o tempo irreversível e as dimensões reversíveis do espaço, as coisas mais simples constituem problemas e despertam ânsias que a poesia apreende antes mesmo de se formularem em teoria.»

Luís Mourão

«... a sua poesia aparece, por isso, como um filtro por onde passa a cultura da «Geração de 70» para o Modernismo. E que Cesário seja um personagem singular e sem escola, só mostra essa verdade «natural» de que entre o nascer e o morrer o mais difícil talvez seja o espaço que vai de um ponto ao outro...»