Opera Barroca

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Linhas estruturais da tragédia em «Os Maias»

Talvez porque o caso de amor entre Carlos e Maria Eduarda ultrapassa os limites em que a crítica se resolve numa ironia ou sarcasmo que pinta em pormenor o «quadro» de uma Lisboa decadente e artificial, talvez porque houve a criação (inconsciente?) de um profundo romance de amor, precisamente nos momentos nucleares da sua mútua relação, as personagens escapam à atmosfera da comédia de costumes, para penetrarem no âmbito da tragédia.

Estão integrados, com precisão, cronológica e socialmente; são participantes dos inúmeros quadros e das diversas peripécias através dos quais Eça recriou (pela análise, pela ironia) a sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX. Contudo, podemos dizer que não são facilmente dissolvidos nessa atmosfera de quase tragicomédia complexa e angustiante.

 A personagem trágica

Carlos e Maria Eduarda ultrapassam a dimensão reduzida e pragmática do tipo queirosiano, embora (encarados nessa mesma perspetiva) nos possam dar elementos concretos, a nível essencialmente sociológico e já não literário. destacam-se como figuras eleitas, pertencentes a uma elite, dotados de qualidades superiores, requintados, seres de excepção, não integrados numa sociedade grosseira, limitada e suja.

Assim, Carlos, regressado da Europa, é-nos apresentado como «um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os olhos dos Maias...». O autor compara-o então a um «belo cavaleiro da Renascença». Para os conhecidos, ele é o «primeiro elegante... da pátria» ou o romântico«Príncipe Tenebroso».

Paralelamente, Maria Eduarda «aparece», no peristilo do Hotel Central, como «uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar.» Para as personagens que com ela contactam ela surge como algo de«harmonioso, são, perfeito.»

[...]

Carlos e Maria Eduarda elevam-se ao nível da tragédia amorosa, embora não rompendo totalmente com as regras do romance de costumes ao qual também pertencem e no qual acabam por se reintegrar. Como detentores da máscara que Eça lhes impõe, definem-se, já não como tipos sociais, mas como símbolos duma fatalidade superior. A nível da ação, nesta perspetiva, quase desaparecem como reais actantes para cederem ao destino a que alude Ega.

A acção trágica

As duas personagens, figuras de exceção (como convém ao espírito clássico da tragédia), são irresistivelmente levadas a um encontro e a uma união que afirmam a supremacia do Sentimento, concebido segundo um padrão elevado a ideal.

Perante os obstáculos oferecidos por Afonso e respeitados pelos próprios amantes, assiste-se à intensificação das relações amorosas que atinge o seu auge na felicidade perfeita.

«Carlos era positivamente o homem mais feliz destes reinos! Em torno dele só havia felicidades, doçuras. Era rico, inteligente, de uma saúde de pinheiro novo; passava a vida adorando e adorado; só tinha o número de inimigos que é necessário para confirmar uma superioridade; nunca sofrera de dispepsia; jogava as armas bastante para ser temido; e na sua complacência de forte nem a tolice pública o irritava. Ser verdadeiramente ditoso!»

Quando a união se torna perfeita, quando o sentimento se eleva ao ponto superior da sua realização, desaba a catástrofe - depara-se-nos a tragédia.

Na mesma noite em que Ega, extasiado, faz as considerações acima trancritas, nessa mesma noite, por intermédio de Guimarães, a tragédia desaba.

Carlos, ao tentar a recusa de uma verdade imposta pelo «implacável destino» concorre para a sua completa realização - a efetivação de um incesto consciente.

Classicamente, o aparecimento da tragédia, não só corta o desenrolar harmonioso dos acontecimentos, como também impede a reestruturação dos mesmos. A Fatalidade aniquila, digamos, a possibilidade de recuperação.

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Gandra, Maria António / Oliveira, Luís Amaro de, Caderno Para Uma Direção de Leitura de OS MAIAS, Porto Editora, Ldª, Porto, 1987, retirado de «O farol das letras»